Pesquisa Histórica
- Drigo Diniz
- 22 de jun.
- 8 min de leitura
Congado em Minas Gerais e Araxá: história, fé e tradição!
O congado é uma festa carregada de identidade cultural e significados que mesclam elementos da cultura africana com o cristianismo católico. É uma festa popular que une comunidades formando valores e tradições culturais que dão a identidade de um povo e mantém suas crenças e costumes ajudando a preservar sua fé suas tradições.
As primeiras manifestações do Congado se deram no reino do Congo. Quando esse reino foi catequizado pelos colonizadores portugueses, a partir de aproximadamente 1415, quando Portugal começa a colonização da África. Alguns reis congoleses combateram as crenças tradicionais do povo banto e aderiram ao cristianismo, colaborando com sua expansão.
O contato entre as monarquias do Congo e de Portugal ocorreu no contexto da cristianização e da colonização portuguesa. Os interesses portugueses iam além da evangelização: envolviam a conquista de territórios e riquezas, o que gerou conflitos. Muitos líderes africanos resistiram à dominação, tentando preservar suas tradições, mas enfrentaram uma cultura já profundamente influenciada pela presença portuguesa. Apesar de acordos entre os reinos, muitos não foram respeitados, e Portugal manteve o controle do comércio de escravos. Com isso, costumes católicos foram incorporados à cultura banto, incluindo mudanças nas leis e tradições. Os povos negros da costa oeste da África se dividiam principalmente entre sudaneses e bantos. Entre os bantos estavam os povos de Angola, Benguela, Cabinda, Congo e Moçambique. Uma maneira de facilitar essa catequização foi associar elementos da cultura africana com santos e ensinamentos católicos. O culto a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito foram incorporados aos novos costumes e fortalecidos na fé desses povos. Quando povos de vários reinos foram escravizados e trazidos ao Brasil, essas manifestações religiosas foram trazidas e novos crenças, elementos religiosos e culturais foram acrescentados ao longo dos anos.
A encenação simbólica do reino do Congo revela aspectos importantes dessa civilização, como seus reis, leis, costumes e estruturas de poder. Também é possível perceber a relação entre soberanos e vassalos, além da ligação política e hierárquica com o rei de Portugal. Pode-se observar esse fato no ato dos figurantes representarem a coroação de um rei congo (Chico Rei e a rainha Nzinga). Chico Rei teria sido um rei africano trazido como escravo para o Brasil e levado para Ouro Preto. Trabalhou arduamente até conseguir sua alforria e depois disso, passou a libertar outros escravizados e leva-los para trabalharem com ele em sua mina de ouro, comprada após sua alforria. A rainha Nzinga foi rainha dos reinos de Ndongo e Matamba, na região onde hoje é Angola, e ficou marcada por sua resistência ao domínio português. Embora não tenha vindo para o Brasil, sua história inspira muitas manifestações culturais afro-brasileiras, especialmente entre movimentos negros e religiosos, como no congado e em religiões de matriz africana.
Esse sincretismo cresce no Brasil Colônia, nos locais onde tinha maior concentração de escravos, que é no litoral nordestino e também a movimentação maior para o Congado, na região mineradora, Mariana, Ouro Preto, São João del Rei, Tiradentes. Dali é que essa tradição se espalha para o restante de Minas. Lembrando que, no Brasil Colônia, não era permitido que os negros entrassem nas igrejas “dos brancos”. Então os escravizados passaram a construir suas próprias igrejas através da formação das Irmandades religiosas (principalmente na região
mineradora), consagrando essas igrejas aos seus santos de devoção, como Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, entre outros.
Quando, na região, não havia igrejas construídas pelos negros, ou eles não entravam nas igrejas ou só podiam permanecer ao fundo, sem se aproximarem dos altares. Isso explica porque, na maioria das vezes, as danças e as celebrações do Congado eram feitas do lado de fora, em espaços abertos, como praças, por exemplo.
O Papa Pio XI , sumo pontífice entre 1922 e 1939, teria proibido o envolvimento e a aproximação de católicos com os ritos afros, não sendo permitido que os cultos afrodescendentes fossem feitos dentro das igrejas, que fosse realizada a missa conga, por exemplo.
Então, por muito tempo, os grupos de Congado tiveram que se limitar ao espaço das praças públicas, porque não era permitido que eles manifestassem essas tradições dentro da igreja. Isso foi retomado com o Papa João XXIII, que aí sim ele aliou os cultos afrodescendentes, como o Congado, o Moçambique, o Reizado, com a missa conga. E retomando esse sincretismo, que era normal aqui no Brasil na época da colônia.
O Congado traz vários personagens, símbolos, indumentárias, cânticos, danças e rituais que compõem a tradição. Cada membro tem a sua função dentro de uma hierarquia bem estruturada, que garante o seu perfeito funcionamento.
A hierarquia observada, bem como suas formas de organização política e social do Congado sistematizam a construção de uma memória viva, que, ao mesmo tempo que preserva a história, a memória e a tradição, incorpora novos cânticos, rituais e orações.
Michael Pollak (1989, p. 10), citando Maurice Halbwachs, em seus estudos históricos, diz que mais do que um fenômeno individual, a memória é também construída coletiva e socialmente, permitindo ao indivíduo criar uma identificação e um pertencimento a um grupo. A exemplo do Congado, o indivíduo está inserido na comunidade à qual se pertence por herança e identificação com uma memória estruturada e em reconstrução.
Torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais. (POLLAK, 1989, p. 3).
Por meio da memória coletiva, a identidade, o sentimento de pertencimento e continuidade contribuem para a manutenção de um patrimônio cultural, para a preservação da História da mãe África que se mantém viva, representada de forma simbólica por reis, líderes, costumes e tradições, o que ajuda a formar uma comunidade afetiva da qual todos se sentem parte e que servem de referência para o grupo.
A história oral conta que as primeiras manifestações de Congado aqui em Araxá teriam sido realizadas quando foi construída a capela de Nossa Senhora do Rosário. Isso há aproximadamente 150 anos atrás.
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial. Nesses artigos da Constituição, reconhece-se a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como patrimônio imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." (IPHAN)
O Congado, como Patrimônio Cultural Imaterial, tem sido inventariado pelos órgãos de preservação cultural como o IPHAN e o IEPHA, para que seja conhecido, preservado e principalmente para que a tradição se mantenha viva com as novas gerações. Mas, essas políticas públicas só serão verdadeiramente eficientes se a comunidade em geral participar, entender e preservar essas tradições.
Um povo sem história não tem identidade, não tem memória, não tem seguimento. Pra que esse povo tenha memória, ele precisa entender, preservar e propagar suas tradições culturais, fazendo com que as novas gerações sejam integrantes dessa cultura e que, através da tradição, possam perpetuar essa herança.
O Congado – também chamado de congada – é uma manifestação cultural e religiosa afro-brasileira de raízes africanas profundas. Originário do Reino do Congo, na África, o Congado reflete uma celebração em louvor a santos cultuados pelos negros escravizados, especialmente Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia . Há fortes indícios de que a tradição do Congado foi trazida ao Brasil pelos escravizados aportados durante a colonização portuguesa, adaptando-se às realidades locais e recriando, em solo mineiro, a corporação dos Reis do Congo e seus cortejos. Como notou um estudo sobre o Congado no interior de Minas, os congos se organizaram em “espécie de monarquias” nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, preservando em festa o seu senso de ancestralidade ritual . Essas celebrações são marcadas por cantos repetitivos, tambores, danças coreografadas e grandes cortejos de congadeiros pelas ruas, que simbolizam resistência e comunidade.
Em Minas Gerais, o Congado é reconhecido como festa popular de devoção – um rito sagrado que
convive com elementos profanos – e abrange uma variedade de grupos de dança (ternos) como Congo, Moçambique, Catopés, Marujada, Marinheiros e Caboclos.
Origens africanas e trajetórias históricas
O Congado em Minas Gerais preserva memórias das origens africanas dos seus participantes. Segundo estudos de historiadores, a realização das guardas congadas reflete matizes da cultura bantu africana misturadas à religiosidade católica trazida pelos colonizadores . Em Minas, registros históricos indicam que desde o século XVIII já havia coroação de reis Congo nas irmandades do Rosário – como em Recife em 1674 – e mesmo na província mineira já surgiam essas festividades centenárias . A dissertação de mestrado de Larissa Gabarra, por exemplo, apontou que os primeiros congadeiros de Uberlândia eram descendentes de famílias que migraram no século XIX de cidades vizinhas como Formiga, Sacramento, Patrocínio e Araxá . Isso sugere que o Congado de Araxá pode ter servido de fonte ou rota de difusão para a prática no Triângulo Mineiro. De fato, ao interpretar relatos locais, percebe-se que “as heranças culturais dos congadeiros” mostram esse fluxo de pessoas e tradições pela região mineira . Assim, embora seja quase impossível reconstruir por completo as origens africanas do Congado pela falta de documentos formais , a tradição oral e as pesquisas históricas locais demonstram que o Congado de Araxá dialoga diretamente com esse legado centenário vindo do Congo e preservado aqui.
Sincretismo religioso e devoção ao Rosário
No Congado, a religiosidade católica se funde de modo vivo à herança africana. Os ternos de dança
dedicam-se a santos reconhecidos como “pretos” por terem sido populares entre os escravos: Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, entre outros . A festa congadeira costuma
culminar numa Missa Conga especial, na qual cantos e tambores acompanham a liturgia. Em algumas cidades mineiras, no entanto, observa-se certa tensão na convivência: padres já chegaram a restringir o ritmo festivo durante a missa conga . De forma geral, pesquisadores afirmam que a Missa do Congado demonstra a complexidade do sincretismo: trata-se de uma “tradição inventada”
recentemente para unir ritos do Congado aos do catolicismo, criando um ritual híbrido . Ainda
assim, os congadeiros reforçam a devoção cristã, coroando imagens de Nossa Senhora do Rosário e
preparando altares com flores e oferendas. Como descreve a Orquestra Ouro Preto, “no congado […]
tudo é sagrado”: do figurino colorido aos ritmos dos tambores, tudo presta reverência à padroeira e aos santos venerados . Em Araxá, não é diferente: ali, os congadeiros dedicam-se especialmente a
Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito, celebrando-os em cultos e procissões que reforçam sua fé e identidade.
Oralidade, família e tradição viva
Uma característica marcante do Congado mineiro é a preservação da memória e dos saberes por via oral e familiar. Ao longo de gerações, mestres e idosos transmitem a coreografia das danças, os
cânticos em dialeto do Congo e os segredos dos rituais a seus filhos e netos. Pesquisadores destacam
que as comunidades congadeiras valorizam fortemente a “oralidade, ancestralidade e tradição” como formas de construir e manter sua identidade . Nas Irmandades congadeiras, as decisões
importantes são tradicionalmente tomadas pelos mais velhos, os “ancestrais” de cada guarda. Em
Contagem, por exemplo, conheceu-se o caso de José Bonifácio – um dos líderes congadeiros locais –
que afirma que ele próprio apenas assina documentos, pois “quem decide tudo dentro da comunidade são os mais velhos” . Isso mostra o respeito que prevalece às figuras anciãs, cuja sabedoria é considerada fundamental para orientar a continuidade do grupo. A mesma mentalidade preserva canções, toques dos atabaques, passo da dança e regras de cortejo de forma vivencial, em vez de escrita. Para reconhecer essa herança, até a Câmara Municipal de Araxá propôs instituir uma “Semana Municipal do Contador de Histórias”, celebrando a oralidade como instrumento educativo e de formação cultural . Em suma, a transmissão familiar e oral do congado faz com que cada geração renove a festa com o mesmo alicerce ritual, mantendo acesa uma chama ancestral nas comunidades congadeiras.
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